2008-09-24

Prevendo a crise

Este artigo foi publicado no jornal Vida Económica em 16 de Junho de 2006 sob o título "A vida dura de Bernanke":

Os comentários do Presidente do Fed, Ben Bernanke, produzidos há cerca de duas semanas, lançaram os mercados financeiros em quedas precipitadas, agravadas pelos recentes aumentos das taxas de juro na Ásia e na Europa e pela perspectiva de novos aumentos nos EUA. A preocupação dos banqueiros centrais é agora a inflação.

Na minha opinião, este acontecimento marcará o início de um período particularmente difícil para o Presidente do Fed, e não estou certo que ele possa algum dia vir a recuperar dele.

Num artigo publicado em 1966 sob o título “Gold and Economic Freedom” (in “The Objectivist Newsletter”), Alan Greenspan diagnosticou assim a causa da Grande Depressão de 1929-33: “Quando o nível da actividade económica nos EUA sofreu uma pequena contracção em 1927, a Reserva Federal injectou mais dinheiro na economia..... O raciocínio das autoridades era o seguinte: (...) o excesso de reservas assim gerado no sistema bancário iria baixar as taxas de juro nos EUA (...)”

Este seria exactamente o raciocínio de Greenspan, mas agora como Presidente do Fed, quando em 2000 a economia americana sofreu uma ligeira recessão.

Prossegue o autor no seu artigo de 1966: “O Fed conseguiu este resultado, mas quase destruiu as economias de todo o mundo no processo. O crédito excessivo que o Fed injectou na economia encontrou o seu caminho para o mercado de acções, gerando uma fantástica bolha especulativa.”

Greenspan, agora como Presidente do Fed, fez exactamente o mesmo na primeira metade dos anos 90 e voltou a fazê-lo a partir de meados de 2000 quando a bolha especulativa rebentou na Bolsa e ameaçou reduzir o crescimento económico.

Continua Greenspan no seu artigo de 1966: “Mais tarde, o Fed tentou secar o excesso de liquidez e conseguiu travar a bolha. Mas era tarde demais: em 1929 os desequilíbrios especulativos tinham-se tornado tão graves que esta tentativa produziu uma retracção da actividade económica e uma queda generalizada dos níveis de confiança. Como resultado, a economia americana entrou em colapso.” Esta pode ser a herança que Greenspan deixa a Bernanke.

Sobre a origem dos défices orçamentais, escreve Greenspan ainda no mesmo artigo de 1966: “ (...) O Estado Providência não é mais do que um mecanismo usado pelo Governo para confiscar riqueza (...). (E) os políticos rapidamente se aperceberam que, se pretendessem manter o poder, tinham de recorrer maciçamente aos défices orçamentais”.

Nunca mais se ouviram palavras semelhantes a Greenspan mesmo quando ele assistiu nestes últimos anos à criação, pela Administração Bush, dos maiores défices do Orçamento de que há memória na história americana.

Sobre a consequência dos défices, Greenspan não deixa margem para ambiguidade. Diz ele, ainda no mesmo artigo: “(...) À medida que a massa monetária (necessária para financiar os défices) aumenta relativamente à oferta de bens tangíveis na economia, o preço dos bens tem necessariamente de aumentar”.

Greenspan presidiu ao maior aumento da massa monetária, em período comparável, registado na história dos EUA, a qual triplicou nos 18 anos em que ele ocupou o lugar de Presidente do Fed. Ele assistiu também, sem protesto, à criação do maior défice orçamental no país. Ele conhece perfeitamente, pelo menos desde há 40 anos, as consequências de uma coisa e de outra.

Porém, não será ele a ter de viver com as consequências. Essa é uma herança que ele deixa a Bernanke.

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