O primeiro economista a teorizar sobre a especulação praticada com carácter institucional e a salientar a importância da função económica e social do especulador foi Frank Knight no livro “Risk, Uncertainty and Profit”, publicado em 1921.
Frank Knight foi o fundador da célebre Escola de Chicago, a escola de pensamento que mais Prémios Nobel da Economia produziu até hoje, como Milton Friedman, George Stigler, Ronald Coase, Gary Becker e tantos outros.
A originalidade de Knight consistiu em demonstrar que a função principal da especulação – embora não a única – era a de reduzir a incerteza na sociedade contribuindo para o aumento da produção de bens e serviços e para a melhoria do bem-estar geral.
O argumento corria assim. Admitamos um produtor de ouro em fase de planificar a sua produção para o ano seguinte. O preço corrente do ouro é de $600 por onça e a esse preço o nível de produção que maximiza o lucro, no sentido daquele que iguala o custo marginal ao preço, é de 10 mil onças. Porém, supondo um ciclo de produção com a duração de um ano, o preço relevante para a determinação da quantidade que maximiza o lucro é, não o preço que vigora hoje, mas o preço que vigorará daqui por um ano quando a produção for levada ao mercado. Ora, o preço que o ouro comandará daqui por um ano está impregnado de incerteza. Se o preço vier a ser de $400 por onça, a quantidade óptima de produção será menor, por exemplo, 8 mil onças; se o preço for ainda mais baixo, a quantidade óptima de produção será ainda menor, eventualmente zero. Para se proteger contra esta incerteza, o produtor irá produzir menos de 10 mil onças de ouro.
Excepto se aparecer alguém disposto a comprar-lhe por um preço conhecido hoje ($600) a produção de 10 mil onças, que será entregue ao comprador quando estiver finalizada, isto é, daqui por um ano. O contrato realizado é um contrato de futuros a prazo de um ano. Este alguém é o especulador, geralmente um banco de investimento.
Ao mesmo tempo, e em outra parte do país ou do Mundo, um joalheiro precisa de comprar ouro como matéria-prima para fabricar peças de joalharia. Ao preço actual ($600) estaria disposto a comprar 10 mil onças de ouro para fabricar um milhão de peças. Porém, e admitindo também um ciclo de produção de um ano, o preço do ouro relevante para a decisão do joalheiro não é o preço de hoje, mas o preço que vigorará daqui por um ano, quando as peças estiverem fabricadas e forem levadas ao mercado. Acontece que o preço do ouro daqui por um ano é incerto. Se for superior a $600, a quantidade óptima de peças de joalharia a fabricar é, não um milhão, mas menor, porque as peças terão um preço mais elevado e a procura será menor. Para se defender contra esta incerteza, ele vai produzir menos de um milhão de peças de joalharia e, no limite, se recear que o preço do ouro possa aumentar drasticamente, produzirá muito menos ou até nada de todo. A menos que alguém esteja disposto a vender-lhe a um preço conhecido hoje ($600) ouro que lhe será entregue daqui por um ano (mais precisamente, no decurso do próximo ano). Neste caso, ele adquirirá 10 mil onças de ouro e produzirá um milhão de peças de joalharia. Este alguém, mais um vez, é o especulador.
No final do processo, a incerteza desapareceu para o produtor de ouro; a incerteza desapareceu também para o joalheiro; e, neste exemplo, nem sequer o especulador se confronta com qualquer incerteza, porque a posição longa ou de compra que estabeleceu com o produtor de ouro é anulada pela posição curta ou de venda que estabeleceu com o joalheiro.
Numa situação mais realista, as posições longas e curtas detidas pelo especulador, em geral, não se anulam. Assim, o mais provável é que o conjunto das posições longas que ele estabeleceu com os produtores de ouro (por exemplo, 50 mil onças) seja diferente do conjunto das posições curtas que estabeleceu com joalheiros (por exemplo, 45 mil onças). O resultado final continua, porém, a ser uma redução do nível de incerteza existente no sector. Porque, onde antes existia incerteza sobre o preço das 50 mil onças de ouro que os produtores se propõem trazer ao mercado mais a incerteza sobre as 45 mil onças que os joalheiros se propõem adquirir, agora existe incerteza apenas sobre o preço de 5 mil onças de ouro, que é a posição líquida (longa) detida pelo especulador.
Para que a consolidação de posições – que é o mecanismo que, em última instância, permite reduzir a incerteza ao valor da posição líquida detida pelo especulador - seja possível, é necessário que o especulador realize muitas transacções de futuros sobre o ouro, umas de compra e outras de venda – as operações de venda (curtas) anulando total ou parcialmente as operações de compra (longas). Mas para realizar muitas transacções é necessário que o especulador seja uma instituição – em geral, um banco de investimento.
O especulador vendeu certezas aos produtores de ouro e aos joalheiros, adquirindo em troca incertezas – mas as incertezas que adquiriu (sobre o preço de 5 mil onças de ouro) são muito menores do que as certezas que vendeu (sobre o preço de 50 mil mais 45 mil onças de ouro). Para se compensar desta troca desigual, ele cobra uma comissão sobre os contratos que adquiriu aos produtores de ouro e sobre aqueles que vendeu aos joalheiros. E pode ainda ganhar sobre a posição líquida (no exemplo, longa) que detém no ouro, se o mercado variar a seu favor (isto é, se o preço do ouro subir). Ou pode perder, no caso contrário.
(artigo publicado no jornal Vida Económica a 07/04/2006)
(artigo publicado no jornal Vida Económica a 07/04/2006)
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