2008-09-22

Informação

Ao comprar 50 mil onças de ouro futuro a quem se propõe produzi-lo e ao vender 45 mil onças de ouro futuro a quem se propõe utilizá-lo, o especulador elimina a incerteza quanto ao preço futuro do ouro que pairava sobre as decisões dos produtores de ouro e dos joalheiros (ver aqui). E chamou a si essa incerteza, embora numa escala que é apenas uma fracção daquela que existia previamente na sociedade.

Antes, existia incerteza sobre o preço futuro do ouro – digamos, a prazo de um ano - que incidia sobre 95 mil onças e que era partilhada pelos produtores de ouro e pelos joalheiros. Agora, a incerteza sobre o preço que o ouro comandará daqui por um ano continua a existir, mas incide sobre 5 mil onças apenas, que correspondem à posição líquida (longa) do especulador. A consolidação de posições que reduz a incerteza só é possível se o especulador realizar muitas transacções de compra e venda futura, significando que o especulador de que trato aqui é um especulador institucional (v.g., banco de investimento).

O especulador retirou a incerteza da esfera da produção e transferiu-a para si, para a esfera financeira.E ele contribuiu, pelo caminho, para a divisão do trabalho e a especialização, as forças principais que estão por detrás do aumento da produtividade numa sociedade. Ele vende certezas e adquire, em troca, incertezas, cobrando uma comissão que o compense desta troca desigual. O especulador torna-se, assim, o especialista em lidar com a incerteza, da mesma forma que o médico é o especialista em lidar com doentes e o bombeiro é o especialista em lidar com fogos.

A questão relevante é agora de saber como é que o especulador vai lidar com a incerteza de forma a mimimizá-la e a transformá-la, tanto quanto possível, em certeza, da mesma forma que o médico lida com o doente para lhe minorar o sofrimento e, no limite, para o curar completamente, e o bombeiro lida com o fogo para lhe minimizar as consequências e, no limite, as evitar por completo.

Para esse fim, entre outras coisas, o médico utiliza medicamentos e o bombeiro utiliza água. E quanto ao especulador? A resposta é: ele utiliza informação. O especulador torna-se assim o especialista em informação por excelência.

O especulador possui uma posição longa sobre o ouro, no montante de 5 mil onças, o qual lhe será entregue daqui por um ano. Se o preço do ouro subir, ele ganha; se o preço do ouro cair, ele perde. Para minorar esta incerteza, ele está pronto a pagar a quem lhe dê respostas a uma multiplicidade de questões, como estas: Quais as empresas que produzem ouro no mundo, e quanto se propõem produzir no próximo ano? Quais os utilizadores (industrias finais) de ouro no mundo e quanto se propõem consumir no próximo ano? Quais as reservas de ouro existentes no Mundo e a que taxa estão a ser utilizadas? Como evoluirão as tecnologias de produção no próximo ano? Os bancos centrais, irão eles vender ou acrescentar às suas reservas de ouro?

Em breve, o especulador institucional estará a empregar economistas, engenheiros, demógrafos, geólogos, que lhe produzam esta informação, ou estará a exprimir uma procura no mercado que fará surgir empresas especializadas que se encarreguem de a produzir para ele a troco de um preço. Uma vez utilizada esta informação para os seus próprios fins, o especulador passa a ter um interesse em torná-la disponível a toda a sociedade a preço zero, resultando assim da actividade da especulação uma externalidade positiva em que o especulador paga a informação e todos na sociedade podem beneficiar dela.

Na realidade, se a conclusão que retira da informação é a de que o preço do ouro vai subir durante o próximo ano, o especulador, que possui uma posição longa de 5 mil onças vai mantê-la, ou até acrescentá-la. A partir deste momento ele tem interesse em divulgar a informação ao público a preço zero, porque quanto mais pessoas actuarem sobre esta informação e comprarem ouro mais o preço sobe e mais o especulador vai lucrar.

Um país que aceita a especulação praticada à escala institucional sobre bens tão diversos como o ouro, o petróleo, a soja, o sumo de laranja, o café, o cacau, o gás natural, as acções da empresa A, ou as obrigações emitidas pelo governo do país B, é um país em que os seus cidadãos dispõem a título gratuito de informação sobre todos os aspectos relevantes da vida económica, social e política do seu país e do mundo – e informação que podem agora utilizar para os seus próprios fins pessoais.

Por exemplo, um cidadão que pretenda ir ao Brasil no próximo ano em turismo e pretenda saber uma previsão do tempo que lá fará, obterá essa informação gratuita no seu país de especuladores institucionalizados, porque sendo o Brasil um grande – na realidade, o maior – produtor de café no mundo e sendo o estado do tempo o principal factor que influencia a produção de café, os especuladores sobre esta mercadorias já se encarregaram de produzir, ou de pagar a quem produza, previsões sobre o estado do tempo que fará no Brasil no próximo ano.

Um país em que a informação é assim abundante e gratuita permite aos seus cidadãos tomarem decisões mais informadas, e, portanto, melhores decisões no âmbito da sua esfera privada. Este será um país de pessoas mais informadas e mais e mais ricas.

Pelo contrário, num país que reprime a especulação, a ignorância vai ser prevalecente. Os erros –cuja fonte principal é a ignorância – serão cometidos em abundância nas decisões individuais dos cidadãos e exibirão os seus reflexos na sociedade. Este é um país em que as pessoas serão imensamente mais propensas a cometerem asneiras, e por isso, a serem mais infelizes e inevitavelmente mais pobres.
(artigo publicado no jornal Vida Económica a 21/04/2006)

4 comentários:

Pedro Gil disse...

Então tinha estas jóias na gaveta, eu peço-lhe uns bitaites sobre especulação e não as punha cá para fora mais cedo! Como o PA diria: "Ai o maroto.." eheh
Que clareza! De facto quando se sabe do que se fala e se tem uma visão de cima é outra coisa...
Parabens.
Há mais para vir? Espero que sim.

Anónimo disse...

E se os cidadãos desse país que até pode estar repleto dessa informação gerada pelos especuladores, não estão preparados com formação de base na sua educação para digerirem essa mesma informação no sentido de a poderem e deverem usar para tomar as decisões mais lúcidas e esclarecidas sobre as suas vidas, nomeadamente no que toca a uma boa utilização/usufruto da sua riqueza? Tenderão a prejudicar a economia com um fluxo de más decisões pessoais, tomadas na sua incapacidade de distinguir o trigo do joio nesse mar de informação que se mistura com muito marketing. É que nós por cá ainda não ensinamos nas nossas escolas a tornarmo-nos mais capazes com a aquisição e assimilação/análise da informação, isto é a tirarmos partido disso para melhorarmos as nossas vidas. Para quando? Entretanto, todo o seu raciocínio, neste e noutros seus textos anteriores, que eu acho brilhantes, falha na aplicabilidade concreta à nossa realidade. Tenhamos esperança que as coisas mudem.

Vítor

Anónimo disse...

«...informação é assim abundante e gratuita...»
e FALSEADA: Os 'ESPECIALISTAS' (ex: economistas) só se limitam a dizer aquilo que os seus PATRÕES/AMOS querem que eles digam...

Nuno Pedrosa disse...

Parabéns pelos posts! Muito esclarecedores e de graça!

Apenas o que sucede quando a informação é "tratada" para gerar o efeito desejado no mercado. Se sou eu que a detenho. Se sou eu que a forneço "gratuitamente" (expressão que vinda de um economista não é nada comum) a tentação é grande.

Depois acho que o mercado por vezes tem comportamentos algo estranhos (sou totalmente leigo na matéria apenas acompanho os mercados pelas notícias) mas fico um pouco espantado quando sobem as bolsas por um plano da administração Bush quando ainda falta passar no Senado...Para especuladores informado parece-me algo desconcertante.

E obrigado pelos esclarecimentos.