2008-09-24

Especulação: "Easy to say..."

Dois factores essenciais para o sucesso da especulação financeira são a existência de um plano de acção e a disciplina necessária para o cumprir. Entre os dois, o segundo é, de longe, o principal e aquele por onde mesmo os especuladores experimentados abrem por vezes a porta a perdas significativas e, no limite, à ruína.

O plano deve conter um conjunto de princípios e regras básicas de acção. A disciplina necessária para o cumprir deve ser férrea. Porém, como em muitas outras instâncias da vida, é mais fácil dizer – isto é, elaborar um plano – do que fazer – isto é, cumpri-lo.

O lendário Jesse Livermore, que ainda hoje inspira especuladores por todo o mundo, era taxativo a este respeito: “Obedeça às suas regras, sem qualquer desvio”. Porém, no final da sua vida, arruinado financeira e emocionalmente, confidenciou ao filho que das vezes em que perdeu foi por não ter obedecido às suas próprias regras.

Os princípios e as regras de Livermore, que ainda hoje constituem a cartilha de qualquer especulador moderno, eram simples e pertenciam, na sua maior parte, à esfera do senso comum. Eis algumas, enunciadas pelo próprio (*). “A minha regra básica é de nunca aceitar perdas superiores a 10% do capital”, isto é, ele impunha-se a si próprio uma perda-limite (“stop loss”) correspondente a 10% do capital investido, a qual, uma vez atingida, o levava a fechar a posição. “Assuma as suas perdas rapidamente”, continuava ele, e acrescentava: “é fácil dizer, difícil é fazer”.

Livermore considerava que a independência de espírito era uma das razões essenciais do sucesso do especulador. Ele mudou o seu escritório de Wall Street para a Fifth Avenue, em Nova Iorque, para não estar exposto às sugestões dos amigos, conhecidos e analistas financeiros: "De longe, a maior batalha emocional do especulador é a de lidar com as sugestões que lhe oferecem. A razão principal que me levou a mudar para a Fifth Avenue foi a de me afastar de todos aqueles que queriam ajudar-me oferecendo-me “informação certa” e “informação confidencial”".

“Deixe os ganhos correr”, aconselhava ele. “Os ganhos tomam conta de si próprios, as perdas é que não”. Na opinião de Livermore, um especulador não se deve precipitar a fechar uma posição ganhadora. Ele deve ser implacável é com as posições perdedoras. “Never average down”, aconselhava ele, significando que nunca se deve acrescentar a uma posição perdedora.

Estas são as regras essenciais de Livermore. Ao longo da sua vida, ele ganhou três fortunas na Bolsa e por três vezes se arruinou também. Numa das vezes, a ruína aconteceu através de uma acção especulativa sobre o algodão. As coisas correram assim:

Certo dia, Livermore conheceu num bar Percy Thomas, o célebre “Rei do Algodão”, assim chamado em virtude do seu enorme sucesso a especular sobre esta mercadoria. Thomas tinha acabado de se arruinar e Livermore ofereceu-se para lhe emprestar dinheiro que lhe permitisse retomar a actividade. O “Rei do Algosão” recusou e persuadiu Livermore a ser ele próprio a especular na alta do preço da mercadoria.

Livermore assim fez, estabelecendo uma pequena posição longa sobre o algodão. A regra da “independência de espírito” ficou esquecida.

O preço do algodão começou a cair e rapidamente ultrapassou os 10%. Livermore manteve a posição, esquecendo a sua regra básica de nunca incorrer em perdas superiores a 10%. O preço do algodão continuou a cair e ele, que tinha uma posição ganhadora no trigo, fechou esta posição – ignorando a regra de que não se devem fechar precipitadamente posições ganhadoras – para reforçar a posição no algodão – esquecendo a sua própria regra de que não se acrescenta a posições perdedoras. Ele tinha agora $3 milhões investidos no algodão, sensivelmente o valor da sua fortuna pessoal. O preço do algodão continuou a cair. Quando finalmente se decidiu a fechar a posição tinha perdido $2,7 milhões e estava praticamente arruinado.

“Easy to say, but hard to do”, escreveu ele, referindo-se à disciplina necessária para cumprir as suas próprias regras.

(*) Richard Smitten, Jesse Livermore – World’s Greatest Stock Trader, New York: John Willey & Sons, 2001.

4 comentários:

Anónimo disse...

Mais logo, também eu escreverei acerca deste tema porque o meu especulador favorito não é o Livermore.

Ricardo Arroja

Harry Lime disse...

Post brilhante!

Harry Lime (also known as Rui Silva)

Francisco Múrias disse...

Os meus especuladores favoritos são os merceeiros e os padeiros aqueles que quando o pão falta e há fome nas ruas colocam margens de 1000% impedindo os pobres de o comprar, os mesmos que quando falta o leite o açambarcam e o vendem com os respectivos lucros de 1500% provocando a má nutrição dos mais pobres e a boa dos mais ricos.

A selecção das espécies , a lei da selva, a sobrevivência dos mais fortes – Darwing no seu esplendor

Não há nada melhor que um especulador bem sucedido beneficiam a economia própria enriquecendo honestamente à conta do sofrimento alheio. Não produzem nada , não acrescentam nenhuma mais valia aos produtos, limitam-se a ser espertos, chicos-espertos

Uns acabam ricos, outros arruinados e outros, ainda, enforcados pela turba enraivecida

A era da especulação não acabou – vai agora começar

Camisa disse...

Livermore não morreu propriamente falido... Quando recuperou da 1ª falência pessoal criou um fundo que lhe garantia uma renda fixa e que não podia afectar ao trading. Esse fundo permitiu que vivesse 1 estilo de vida faustoso independentemente das suas perdas no trading...