Dois factores essenciais para o sucesso da especulação financeira são a existência de um plano de acção e a disciplina necessária para o cumprir. Entre os dois, o segundo é, de longe, o principal e aquele por onde mesmo os especuladores experimentados abrem por vezes a porta a perdas significativas e, no limite, à ruína.
O plano deve conter um conjunto de princípios e regras básicas de acção. A disciplina necessária para o cumprir deve ser férrea. Porém, como em muitas outras instâncias da vida, é mais fácil dizer – isto é, elaborar um plano – do que fazer – isto é, cumpri-lo.
O lendário Jesse Livermore, que ainda hoje inspira especuladores por todo o mundo, era taxativo a este respeito:
“Obedeça às suas regras, sem qualquer desvio”. Porém, no final da sua vida, arruinado financeira e emocionalmente, confidenciou ao filho que das vezes em que perdeu foi por não ter obedecido às suas próprias regras.
Os princípios e as regras de Livermore, que ainda hoje constituem a cartilha de qualquer especulador moderno, eram simples e pertenciam, na sua maior parte, à esfera do senso comum. Eis algumas, enunciadas pelo próprio (*).
“A minha regra básica é de nunca aceitar perdas superiores a 10% do capital”, isto é, ele impunha-se a si próprio uma perda-limite (“stop loss”) correspondente a 10% do capital investido, a qual, uma vez atingida, o levava a fechar a posição.
“Assuma as suas perdas rapidamente”, continuava ele, e acrescentava:
“é fácil dizer, difícil é fazer”.
Livermore considerava que a independência de espírito era uma das razões essenciais do sucesso do especulador. Ele mudou o seu escritório de Wall Street para a Fifth Avenue, em Nova Iorque, para não estar exposto às sugestões dos amigos, conhecidos e analistas financeiros: "
De longe, a maior batalha emocional do especulador é a de lidar com as sugestões que lhe oferecem. A razão principal que me levou a mudar para a Fifth Avenue foi a de me afastar de todos aqueles que queriam ajudar-me oferecendo-me “informação certa” e “informação confidencial”".
“Deixe os ganhos correr”, aconselhava ele.
“Os ganhos tomam conta de si próprios, as perdas é que não”. Na opinião de Livermore, um especulador não se deve precipitar a fechar uma posição ganhadora. Ele deve ser implacável é com as posições perdedoras. “
Never average down”, aconselhava ele, significando que nunca se deve acrescentar a uma posição perdedora.
Estas são as regras essenciais de Livermore. Ao longo da sua vida, ele ganhou três fortunas na Bolsa e por três vezes se arruinou também. Numa das vezes, a ruína aconteceu através de uma acção especulativa sobre o algodão. As coisas correram assim:
Certo dia, Livermore conheceu num bar Percy Thomas, o célebre “Rei do Algodão”, assim chamado em virtude do seu enorme sucesso a especular sobre esta mercadoria. Thomas tinha acabado de se arruinar e Livermore ofereceu-se para lhe emprestar dinheiro que lhe permitisse retomar a actividade. O “Rei do Algosão” recusou e persuadiu Livermore a ser ele próprio a especular na alta do preço da mercadoria.
Livermore assim fez, estabelecendo uma pequena posição longa sobre o algodão. A regra da “independência de espírito” ficou esquecida.
O preço do algodão começou a cair e rapidamente ultrapassou os 10%. Livermore manteve a posição, esquecendo a sua regra básica de nunca incorrer em perdas superiores a 10%. O preço do algodão continuou a cair e ele, que tinha uma posição ganhadora no trigo, fechou esta posição – ignorando a regra de que não se devem fechar precipitadamente posições ganhadoras – para reforçar a posição no algodão – esquecendo a sua própria regra de que não se acrescenta a posições perdedoras. Ele tinha agora $3 milhões investidos no algodão, sensivelmente o valor da sua fortuna pessoal. O preço do algodão continuou a cair. Quando finalmente se decidiu a fechar a posição tinha perdido $2,7 milhões e estava praticamente arruinado.
“Easy to say, but hard to do”, escreveu ele, referindo-se à disciplina necessária para cumprir as suas próprias regras.
(*) Richard Smitten,
Jesse Livermore – World’s Greatest Stock Trader, New York: John Willey & Sons, 2001.